Barriga de Aluguel no Brasil: É Permitida? Como Funciona?

Nathália Martins
Nathália Martins
Atualizado 29 de junho 2021

Muitos casais procuram tratamentos de fertilidade para realizar o sonho da paternidade ou da maternidade. Uma das técnicas à qual recorrem é a barriga de aluguel, que corresponde à barriga solidária, técnica realizada legalmente no Brasil mas limitada pelo Conselho Federal de Medicina.

A barriga de aluguel é uma técnica de fertilidade que muitos casais procuram, cujo termo correto é barriga solidária, uma vez que no Brasil só é permitida a doação temporária do útero, no qual será gerado o bebê de outros, de forma altruísta e voluntária.

Como esse é um procedimento polêmico por exigir por lei que não haja benefício financeiro à mulher que empresta o útero, muitos têm inúmeras dúvidas. Entenda, então, em quais casos um casal pode recorrer legalmente a esse tipo de tratamento e de que forma fazê-lo no Brasil.

O que é barriga de aluguel?

A barriga de aluguel consiste no ato de uma mulher alugar o próprio útero para gerar o bebê de outra pessoa, com a condição de recompensa financeira, ou seja, ela cobra um valor para alugar o próprio útero para gerar um bebê.

Porém, o termo popularmente conhecido como “barriga de aluguel” é equivocado, pois dá a entender que é permitido o aluguel do útero no Brasil. O Conselho Federal de Medicina, na resolução 2.168/2017, denomina essa situação como gestação de substituição, ou cessão temporária do útero, sendo “barriga solidária” o termo correto mais recorrente.

A diferença entre "barriga de aluguel", que pressupõe a comercialização do útero para geração de bebês de terceiros, e a barriga solidária é que no primeiro caso não há permissão no Brasil para tal prática. Já a barriga solidária é um ato voluntário da mulher que poderá gerar o bebê.

O embrião ou feto, quando no útero da mulher, é considerado um ‘órgão’, então, de acordo com a lei 9.434 de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, o bebê não pode ser comercializado, o que pode caracterizar como tráfico de órgãos.

Então a barriga de aluguel é ilegal no Brasil?

Como neste caso o bebê no útero é considerado um ‘órgão’, de acordo com a Constituição Federal e com a lei de transplantes (9.434/1997), se o útero de uma mulher for usado para gerar o bebê de outras pessoas mediante uma troca financeira, a situação se configurará como comercialização de um órgão, prática vetada expressamente pela lei de transplantes citada.

Já a barriga solidária não é proibida por lei porque pressupõe a cessão ou doação temporária do útero para gerar o bebê de outros de forma voluntária. Ou seja, no primeiro caso há uma comercialização, um ganho financeiro para quem gera o bebê, o que a torna uma prática ilegal, e no segundo apenas o ato voluntário de ceder o útero para gerar o bebê de outras pessoas, prática legalizada no país.

Gerar o filho de outros mediante pagamento também é vetado pelo Conselho Federal de Medicina, que será responsável por analisar os casos de barriga solidária que não sejam de parentes consanguíneos de até 4º grau de uma das partes que pretende ter o bebê, ou seja: 1º grau - filhas e mães; 2º grau - avós e irmãs; 3º grau - tias e sobrinhas; 4º grau - primas.

Portanto, pela lei vigente, qualquer pessoa envolvida na comercialização de um órgão, pode responder judicialmente, incluindo médicos e a clínica responsável pelo procedimento fora dos limites jurídicos já citados.

Mas a barriga solidária só pode ser realizada por alguém com parentesco?

Não há necessidade de parentesco para ser barriga solidária. Uma amiga ou cunhada, por exemplo, podem emprestar o útero para gerar um bebê de outra pessoa, porém, nesses casos será preciso obter autorização do Conselho Federal de Medicina.

A permissão para ser barriga solidária para um familiar de até 4º grau consanguíneo sem passar pelo Conselho se deve ao fato de haver a presunção de que não haverá acordo ou interesse financeiro no processo. Entende-se então que o laço familiar diminui as chances de alguma ilegalidade ocorrer.

E se o Conselho não autorizar a barriga solidária sem ligação familiar, cabe aos interessados uma ação judicial na qual o juiz irá decidir e analisar cada caso.

E se uma das partes desistir da gestação?

Se houver desistência em relação à gestação ou ao que foi acordado por uma das partes, há algumas possibilidades:

  1. A barriga solidária decide não entregar o bebê: nesse caso, é preciso saber se o material genético é do casal. Se for e eles não podiam engravidar, o direito é do casal, que deve levar o caso a juízo para arbitrar sobre uma possível maternidade e guarda compartilhadas, tal como acontece em um divórcio.
  2. A barriga solidária decide não entregar o bebê e o material genético não é do casal: se o material genético veio de um banco de esperma e/ou de um banco de óvulo, a mulher que gerou o bebê pode ficar com a criança e pode haver uma possível indenização ao casal pela expectativa frustrada por meio de um processo judicial.
  3. Desistência do casal durante a gestação da barriga solidária: em juízo, a mulher que está gerando o bebê pode pedir indenização e pensão alimentícia, uma vez que não tinha intenção de ter filhos, só gerar o bebê até o parto e depois entregá-lo ao casal.

Como funciona, na prática, a barriga solidária?

O primeiro passo é se certificar de que a barriga solidária é a melhor técnica para o caso a ser analisado. Essa técnica é indicada principalmente para mulheres com limitações sérias de saúde que impossibilitam a gestação de um bebê, em casos de reprodução independente masculina e em casos de casais homoafetivos masculinos.

Após a verificação da necessidade da barriga solidária e da escolha de quem irá emprestar o útero, o casal deve se dirigir a uma clínica ou centro especializado em reprodução assistida. Caso a mulher que irá gerar o bebê não tenha ligação familiar de até 4º grau, faz-se necessária a autorização do Conselho Federal de Medicina.

Para a mulher que irá gerar o bebê, será preciso assinar um documento autorizando o procedimento, constando ter ciência dos riscos e das responsabilidades em todo o processo. O mesmo vale para o seu cônjuge, caso ela seja casada ou viva em união estável. Já o casal, por sua vez, também irá se responsabilizar em sua parte, assinando o documento.

Feito isso, na clínica de reprodução assistida, será feita uma investigação da saúde da mulher que irá emprestar o útero com todos os dados necessários. Na prática de barriga solidária, a fertilização in vitro é a técnica mais frequentemente usada, já que o material genético da doadora do útero, geralmente, não é utilizado.

Na fertilização in vitro une-se o espermatozóide com o óvulo em laboratório para a formação do embrião. Depois da devida preparação da mulher que será a barriga solidária, o embrião é introduzido no útero. Após 14 dias, é feito o teste de gravidez e, caso positivo, iniciam-se todos os cuidados e exames pelos quais toda gestante passa.

Vale lembrar que o material genético necessário à gravidez pode ser do próprio casal ou doado anonimamente. Dependendo da necessidade de cada caso, há doação anônima ou do óvulo, ou dos espermatozóides, ou de ambos os gametas ao mesmo tempo (no caso de casais completamente inférteis, por exemplo).

Quais são as regras que regem a barriga solidária?

A resolução de número 2.168 de 2017 do Conselho Federal de Medicina rege as regras da técnica da barriga solidária no Brasil. Essa resolução determina as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, inclusive sobre a barriga solidária, denominada como “gestação de substituição” ou “cessão temporária do útero”.

Ela autoriza que a barriga solidária seja permitida em casos de problemas médicos que impeçam ou que contraindiquem a gestação, em casos de casais homoafetivos ou de pessoas solteiras (reprodução independente).

Como já citado, a cedente temporária do útero deve ter ligação de parentesco de até 4º grau com uma das partes do casal, estando outros casos sujeitos à autorização do Conselho Federal de Medicina, e principalmente estando vetado qualquer caráter lucrativo ou comercial ao processo.

As clínicas de reprodução assistida deverão ter no prontuário da paciente documentos e observações que indiquem o consentimento livre e esclarecido pelo casal e pela cedente temporária do útero, considerando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação.

Ainda, será necessário ter um relatório médico com o perfil psicológico de todos os envolvidos, considerando a conformidade clínica e emocional de todas as partes, e um termo de compromisso entre as partes, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança.

Também será pedido por escrito o compromisso, por parte do casal, de que irão providenciar tratamento e acompanhamento médico necessários para a mulher que cederá temporariamente o útero até o puerpério e o compromisso do registro civil da criança pelos pais (pai, mãe ou pais genéticos) ainda durante a gravidez.

E, como é preciso estar registrado o consentimento e anuência de todas as partes envolvidas no processo, será também preciso ter a aprovação por escrito do cônjuge ou companheiro da doadora temporária do útero.


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